2. Música na rádio: o mesmo que publicidade?
(continuação)
Se, por hipótese, a mesma filosofia for aplicada aos noticiários então, passaremos a ouvir apenas uma notícia depois dela ter surgido num considerável número de outros órgãos de comunicação. Ou seja, só depois de insistentemente repetida algures, é que aparece no noticiário de uma rádio. É evidente que isto é um absurdo.
Se para as notícias o critério passa pela novidade e pela complementaridade - neste caso informativa -, o que levará os estrategos radiofónicos a adoptarem uma filosofia inversa em relação à música?
Provavelmente, no caso da rádio, a música é vista como uma entidade de características bastante diferentes das notícias e muito próxima da publicidade. Tal como nos anúncios,a música tem uma frequência de repetição muito alta - uma faixa musical pode passar durante meses sucessivos -, enquanto nas notícias a frequência é relativamente baixa.
Nesta máquina de repetição que é a rádio , música e publicidade aproximam-se cada vez mais. Para ter publicidade "no ar" o cliente paga. Será que para ter música "no ar" a editora paga? Penso que não, apesar de serem conhecidos alguns "escândalos" deste tipo nos Estados Unidos da América. No entanto, não ficaria espantado se tal acontecesse no futuro ,tendo em conta a actual tendência de tratar a inserção da música, numa grelha radiofónica, com regras semelhantes às da publicidade.
E esta é uma das chaves da questão: a filosofia de passagem de música numa rádio está mais próxima da das notícias ou da da publicidade?
Se a lógica for a das notícias , dos comentários, existe lugar para o novo, para a diferença, para a surpresa, para a descoberta; se, pelo contrário, for a da publicidade, o leque de escolhas será reduzido e a insistente repetição a regra dominante.
Se esta última hipótese se consolidar, cada vez mais o dinheiro assumirá um papel determinante em prejuízo da estética. Cada vez mais a música será apenas um produto de consumo e menos um bem com algum valor cultural. E , se ainda , se lhe reconhecer alguma mais-valia cultural,ela estará subordinada ao valor de mercado.
Cada vez mais a liberdade de expressão nos grandes meios de comunicação, neste caso a da música, se limitará a quem tem poder económico.
Como exemplo de resistência a esta "normalização" do gosto e da defesa do "direito á diferença" fica a atitude de António Sérgio, a grande figura de referência dos programas musicais da rádio desde os anos 70 até 2009. Morreu vítima de problemas cardíacos na madrugada de 31 de Outubro para 1 de Novembro de 2009. Tinha 59 anos.
Uma vida dedicada à Rádio e à divulgação de música. António Sérgio iniciou a sua carreira, na RENASCENÇA, no final dos anos 60. Nos anos 80 esteve na COMERCIAL. Depois, de 1993 até 1997 foi um dos nomes da XFM. Voltou ao grupo COMERCIAL (Comercial e Best Rock FM) onde se manteve até 2007.Foi afastado da COMERCIAL devido à lógica da "normalização".Mudou-se para a RADAR onde terminou a sua carreira.
Rotação, Rolls Rock, Som da Frente, Lança-Chamas, Grande Delta , a Hora do Lobo e Viriato 25 foram alguns dos programas que realizou e apresentou.
Com o seu trabalho, muita pesquisa e paixão, ajudou várias gerações a descobrir os novos sons da pop e do rock. Companheiros de ofício chamavam-lhe "mestre". E era comparado, frequentemente, com o lendário radialista britânico John Peel.
Fica aqui a possibilidade de ouvir algumas das suas ideias sobre rádio e música.
Entrevistado em 2000, na RPL, por Paulo Lázaro .